“Podias ter-me dito que ias sair da
minha vida. A paixão é mesmo isto, nunca sabemos quando acaba ou se
transforma em amor, e eu sabia que a tua paixão não iria resistir à
erosão do tempo, ao frio dos dias, ao vazio da cama, ao silêncio da
distância. Há um tempo para acreditar, um tempo para viver e um tempo
para desistir, e nós tivemos muita sorte porque vivemos todos esses
tempos no modo certo. Podias ter-me dito que querias conjugar o verbo
desistir. Demorei muito tempo a aceitar que, às vezes, desistir é o
mesmo que vencer, sem travar batalhas. Antigamente pensava que não, que
quem desiste perde sempre, que a subtracção é a arma mais cobarde dos
amantes, e o silêncio a forma mais injusta de deixar fenecer os sonhos.
Mas a vida ensinou-me o contrário. Hoje sei que desistir é apenas um
caminho possível, às vezes o único que os homens conhecem. Contigo
aprendi que o amor é uma força misteriosa e divina. Sei que também
aprendeste muito comigo, mais do que imaginas e do que agora consegues
alcançar. Só o tempo te vai dar tudo o que de mim guardaste, esse tempo
que é uma caixa que se abre ao contrário: de um lado estás tu, e do
outro estou eu, a ver-te sem te poder tocar, a abraçar-te todas as
noites antes de adormeceres e a cada manhã ao acordares. Não sei quando
te voltarei a ver ou a ter notícias tuas, mas sabes uma coisa? Já não me
importo, porque guardei-te no meu coração antes de partires. Numa noite
perfeita entre tantas outras, liguei o meu coração ao teu com um fio
invisível e troquei uma parte da tua alma com a minha, enquanto
dormias.”
Margarida Rebelo Pinto
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